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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Boom da celulose atrai estrangeiros e eleva preço da terra em até 62,7% em MS

Advogado da Aprosoja diz que algumas aquisições estão acima do previsto em lei

As terras agrícolas de Mato Grosso do Sul mantêm a tendência de valorização na esteira da forte entrada de capital estrangeiro, tanto em unidades industriais, como em terras agrícolas, além do potencial de melhora logística pela Rota Bioceânica e do processo de industrialização em meio à alta dos preços das principais commodities agrícolas, como soja e milho.

Em Corumbá, por exemplo, que se destacava como a maior região pecuarista do Estado, os preços de terras para pastagens subiram 62,7% no primeiro quadrimestre deste ano em relação à mesmo período do ano passado – segundo levantamento da Scot Consultoria, especializada no mercado agropecuário, a pedido do Campo Grande News. Essa é a maior alta verificada nos preços de terras em 10 municípios pecuaristas do Estado, conforme o estudo. Em seguida, estão Três Lagoas, com aumento de 20,7%, Aquidauana (17,7%), Bodoquena (17,2%), Chapadão do Sul (15,8%) e Campo Grande (15,6%).

No caso de terras de lavouras, a alta dos preços no território é liderada por Bodoquena (38,8%), depois Dourados (37,1%), Coxim (21,8%), Aquidauana (17,0%) e Corumbá (11,4%), no mesmo período analisado, acrescenta o levantamento da Scot Consultoria.

Para o engenheiro agrônomo da Scot Consultoria, Gustavo Duprat, os preços são influenciados por vários fatores, que vão desde as características do solo e do clima (edafoclimáticas), o relevo e infraestrutura da região, como rodovias, estradas e acessos logísticos para o escoamento da produção.

“Os principais fatores que influenciam o aumento dos preços das terras para agricultura são a baixa disponibilidade de áreas para negócios e a valorização de propriedades com localização estratégica e melhor infraestrutura”, avalia Duprat.

Em Corumbá, a valorização decorre da logística estratégica do município, que possui posição geográfica privilegiada, próxima à fronteira com a Bolívia e o acesso ao rio Paraguai, favorecendo o escoamento da produção e atraindo investimentos em infraestrutura e indústria.

Algumas terras de Mato Grosso do Sul, com mais de 10 anos de produção e com excelente localização, podem alcançar patamares superiores a R$ 150 mil por hectare, segundo o especialista da Scot Consultoria.

Boom da celulose atrai estrangeiros e eleva preço da terra em até 62,7% em MS
Fazenda Bodoquena, localizada no Pantanal de Mato Grosso do Sul (Foto: Arquivo)

Melhor que ações – O corretor rural, Pedro Travain, especialista em compra e venda de terras da corretora Fazenda Venda, sediada no estado, disse que os preços médios do hectare de terras em Mato Grosso do Sul, no período de 14 anos (de dezembro de 2010 a dezembro de 2024) bateram a rentabilidade de qualquer aplicação financeira.

Os preços de terras pecuaristas, que em 2010 situavam-se em R$ 3,832 mil o hectare, subiram para R$ 10,264 mil em 2020 e mais do que dobraram para R$ 22,074 mil em 2024, conforme levantamento de Travain, com base em dados da consultoria americana S&P Global Commodity Insights, também realizado a pedido da reportagem. A taxa de valorização de terras pecuaristas no período de 14 anos alcançou 476,04% ou mais de 5 vezes, calculou.

Ainda mais valorizado, o preço médio do hectare de terras de lavouras – de R$ 7,344 mil em 2010 – mais do que triplicou para R$ 24,979 mil nos dez anos seguintes. Esse valor mais do que dobrou em 2024 para R$ 60,971 mil, registrando crescimento de 730,22% ou mais de 8 vezes no horizonte de 14 anos.  O entendimento é de que o preço elevado das terras impacta diretamente no custo dos alimentos.

Enquanto isso, a rentabilidade da poupança no mesmo período de 14 anos analisados foi de 156,86%. Já o rendimento dos títulos corrigidos pela taxa Selic foi de 126,39%; o do Índice Bovespa alcançou 73,55%.

Expansão da celulose – O entendimento é de que o estado que, passa por forte processo de transformação na matriz econômica, nos últimos cinco anos se destaca como um polo de atração de investimentos de papel e celulose e de capital estrangeiro. Somente em 2024, o estado atraiu quase R$ 50 bilhões de investimentos de fabricantes de papel e celulose.

A Suzano Papel e Celulose anunciou R$ 22,2 bilhões para implementar, em Ribas do Rio Pardo, a maior fábrica do mundo, demandando uma base florestal de 599 mil hectares em Mato Grosso do Sul, dos quais 143 mil hectares destinados exclusivamente para a conservação da biodiversidade. Já em Inocência, a chilena Arauco anunciou R$ 25 bilhões para construir uma unidade industrial, com início previsto para o primeiro trimestre de 2027.

A empresa prevê uma área de 400 mil hectares de eucaliptos. A área total cultivada com florestas de eucalipto no estado, incluindo Ribas do Rio Pardo, Três Lagoas e Água Clara, chega a 1,6 milhão de hectares, estima a Scot Consultoria. Ou seja, o equivalente ao dobro de toda a extensão territorial de Campo Grande.

De acordo com o último relatório de análise de mercado de terras do Incra sobre Mato Grosso do Sul (2024), a área plantada com florestas de eucalipto no estado cresceu 466% no período de 14 anos, de 2009 a 2023, passando de 300 mil hectares para 1,4 milhão de hectares, o que coloca Mato Grosso do Sul como segundo maior produtor de eucalipto do Brasil, atrás somente de Minas Gerais. Até 2030, a área plantada deve bater a marca de 2 milhões de hectares, com avanço de 42%, quando o estado conquistará a liderança nacional, de forma isolada, e deverá se consolidar como um dos maiores fabricantes mundiais.

Boom da celulose atrai estrangeiros e eleva preço da terra em até 62,7% em MS
Imagem aérea mostra a ponte sobre o Rio Paraguai, essencial para a Rota Bioceânica. (Foto: Toninho Ruiz)

Outras culturas – O crescimento na produção de proteínas de origem animal e de grãos também empurra os preços da terra para cima. O corretor rural Pedro Travain destaca que o mercado verá se manter aquecido por novos investimentos impulsionados ainda pelo início das operações do corredor da Rota Bioceânica, valorizando regiões como Porto Murtinho.

Apesar da disparada do valor dos preços de terras no estado, Travain avalia que, comparados, por exemplo, às terras do Paraná e de São Paulo – os maiores do Brasil –, os valores do território sul mato-grossenses ainda “estão baratos”, mas com espaço de valorização em aberto, também sob a influência de três novas usinas de etanol de milho já anunciadas pelo governo estadual.

Amendoim supera algodão – O aumento de produção de determinadas culturas é outro fator positivo para o boom imobiliário. O estado tornou-se o segundo maior produtor de amendoim, atrás somente de São Paulo. Conforme Duprat, a área de cultivo da leguminosa no estado mais do que dobrou, de 21,2 mil hectares na safra 2023/2024 para 42,7 mil hectares na safra 2024/2025 – superando a área de algodão (prevista em 31,7 mil hectares). Outra cultura em alta no estado é o arroz, cuja área aumentou 34% em relação à safra anterior, totalizando 12,6 mil hectares. Também em expansão, a área com feijão de segunda safra cresceu 22,3%, também estimada em 12,6 mil hectares.

Capital estrangeiro – Sócio do escritório Brenner & Advogados Associados, Lucas Brenner, também advogado da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso do Sul (Aprosoja-MS), destaca a forte presença de capital privado internacional na compra de terras agrícolas, contribuindo para a valorização de terras do estado. Segundo ele, esse movimento ganhou força a partir da chamada Lei do Agro (Lei 13.986, de 2020), que, segundo disse, flexibilizou a Lei 5.709, de 1971, que regula a compra de imóveis rurais por estrangeiros. Por lei, o controle de cidadãos ou empresas estrangeiras limita-se a 25% do território de cada município brasileiro e limita os estoques por nacionalidade ao máximo de 10% por nacionalidade.

Mas nem todos seguem o que está na lei. A participação de estrangeiros (empresas e pessoas físicas) em territórios dos municípios como Ribas do Rio Pardo, Inocência e Água Clara representa hoje entre 30% e 40% da totalidade das terras agrícolas, conforme disse o advogado ao Campo Grande News. Ele chama a atenção para a falta de fiscalização por parte dos órgãos de controle, que partem do pressuposto de que todos são contratos regulares. “Nenhuma empresa estrangeira vai usar formas ilegais. São bem assessoradas por advogados”, disse. Ele observa, no entanto, que a realidade é diferente. “Se considerar todos os municípios aqui do Mato Grosso do Sul, mais da metade já vendeu mais do limite legal das terras para estrangeiros”, acrescenta o advogado.

Em resposta, o responsável pelo cadastro rural do Incra de Mato Grosso do Sul, Paulo Lucca, afirmou desconhecer o descontrole do limite legal de compras de terras agrícolas por estrangeiros tanto no estado como no Brasil. A explicação é de que o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR) recebe duas fontes de informações para o controle de aquisição de imóveis rurais por pessoas ou empresas estrangeiras.

Uma é a obrigação legal dos cartórios de informar ao Incra, a cada trimestre, sobre a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros ou equivalentes. Outra fonte são as declarações de cadastro rural pelos próprios proprietários de imóveis. Pela Lei 5.868/72, eles são obrigados a fazer a declaração após a aquisição do empreendimento. O entendimento é de que, se essas informações não chegam ao Incra, não há como o órgão saber de eventuais aquisições que não passam pelo trâmite oficial.

Fonte: Viviane Monteiro/Campo Grande News

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