O conflito entre Irã e Israel, que, nas últimas semanas, acirrou ainda mais as tensões no Oriente Médio, pode ter reflexos diretos sobre os custos de produção do agronegócio em Mato Grosso do Sul. Especialistas e autoridades do setor ouvidos pelo Correio do Estado apontam que os impactos, inicialmente, devem ser sentidos no preço de insumos agrícolas e combustíveis e nos custos logísticos, com potencial efeito inflacionário.
De acordo com o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação de Mato Grosso do Sul (Semadesc), Jaime Verruck, uma das principais preocupações imediatas é a oferta de fertilizantes, em especial a ureia, essencial para as lavouras sul-mato-grossenses. O Irã é um dos principais fornecedores mundiais desse insumo, com participação relevante nas importações brasileiras.
“O Irã é um grande exportador de ureia para o Brasil, então, uma das questões que já está se avaliando é que a gente vai ter uma restrição desse produto em função da guerra”, afirmou Verruck em entrevista ao Correio do Estado.
O secretário ressalta que, com a redução na oferta iraniana, o Brasil terá de buscar fornecedores alternativos, o que deve pressionar os preços internacionais.
“E, consequentemente, o Brasil vai ter que procurar outras fontes de fornecimento de ureia. Obviamente que, se tem uma fonte importante e ela está nesse momento em uma situação de conflito de guerra, você tem um aumento do preço internacional. Hoje, 97% da ureia é importada pelo Brasil,” explicou.
Esse cenário de escassez e aumento de preços evidencia a importância de projetos de produção nacional de fertilizantes, como a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN3), localizada em Três Lagoas, que permanece inativa.
“[Esse problema] inclusive mostra claramente o quanto que a UFN3 seria relevante nesse processo de reduzir a dependência do Brasil da importação de insumos para o agronegócio, principalmente na questão da ureia. Então, acho que essa é a primeira preocupação,” reforçou.
COMBUSTÍVEIS
Além dos fertilizantes, o preço dos combustíveis também está no radar de preocupação do governo estadual e dos produtores. Os preços do petróleo ontem subiram mais de 4%, em meio à escalada de tensões no conflito entre Israel e Irã. O quinto dia de guerra foi marcado por bombardeios nos dois países, o que elevou os temores de interrupção no fornecimento global da commodity.
A maior preocupação é se o conflito afetará o Estreito de Ormuz, por onde transita cerca de um quinto do consumo global de petróleo.
“Essa segunda preocupação, que não afeta diretamente Mato Grosso do Sul, é exatamente preço de petróleo. O Irã é um grande exportador de petróleo e, com isso, a gente pode ter uma redução da oferta mundial de petróleo,” avaliou Verruck.
O secretário pondera, no entanto, que os impactos sobre os combustíveis ainda são incertos e dependem do desenrolar do conflito.
“Isso significaria o encarecimento do petróleo e, consequentemente, o encarecimento, aqui, de diesel e outras situações no Brasil. Mas esse impacto é menor ainda nesse momento, a percepção ainda é menor,” completou.
Para o doutor em Economia Michel Constantino, o aumento do preço do petróleo é o fator mais preocupante no curto prazo, com efeito cascata sobre diversos setores.
“A tendência é de o barril do petróleo subir, com isso, temos um efeito multiplicador nos preços de combustíveis, transporte e custo de produção que pode gerar mais inflação, incerteza e aumento da demanda no curto prazo,” explicou.
Ele ressalta ainda que, no caso brasileiro, os impactos da guerra podem se agravar em função de fatores internos, como a recente elevação de impostos.
“No Brasil e em MS, os efeitos da guerra podem se misturar com os efeitos dos impostos e taxas atuais criados pelo governo federal, que serão mais nocivos para a população e o setor produtivo do que propriamente a guerra em si,” avaliou Constantino.
O analista de comércio exterior Aldo Barrigosse reforça que o encarecimento do petróleo vai além dos combustíveis, afetando diretamente os custos logísticos do agronegócio.
“Essa possível alta nos preços internacionais fará com que tenhamos um aumento aqui no Brasil também, pois os preços do petróleo acompanham o mercado mundial. Esse cenário pode encarecer os alimentos consumidos em Mato Grosso do Sul, pressionar a inflação e aumentar os custos logísticos para produzir e escoar nossa produção,” afirmou.
INSTABILIDADE
Ainda de acordo com o analista, as empresas exportadoras de commodities podem enfrentar instabilidades nos preços internacionais, além de custos extras para exportação. Por outro lado, o analista minimiza os impactos diretos nas exportações sul-mato-grossenses com destino a Israel.
“Embora Israel seja um importador de carne bovina e celulose de MS, sua 35ª posição no ranking de destinos indica uma baixa relevância em volume, minimizando o impacto direto em caso de interrupção comercial com esse país específico. O risco maior reside nos custos logísticos,” completou.
O mestre em Economia Eugênio Pavão também alerta para os riscos inflacionários.
“Teremos impactos em razão da alta do barril do petróleo e da inflação, pois somos um ‘país rodoviário’,” pontuou.
Ele destaca que a extensão dos efeitos dependerá da duração do conflito e da possível participação de outros países nas hostilidades.
“A força do impacto vai depender da duração do conflito e do aumento dos envolvidos [novos países],” afirmou Pavão.