A Justiça do Trabalho manteve a demissão por justa causa de uma atendente de lanchonete em São Paulo, após a trabalhadora admitir ter tido um relacionamento amoroso com o marido da proprietária, que também era sócio do negócio.
A decisão da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) foi unânime e destacou que a atitude da funcionária violou padrões éticos e abalou a confiança necessária na relação de trabalho.
Relacionamentos entre colegas de empresa não são proibidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas podem gerar consequências quando afetam o ambiente profissional. (entenda mais abaixo)
Segundo o processo, havia uma relação próxima e de confiança entre a empregadora e a atendente, o que agravou a situação.
O tribunal também considerou outros fatores para a justa causa: a trabalhadora discutiu com a chefe em público, na frente de clientes, usando palavrões e ofensas — atitude classificada como indisciplina e desrespeito.
Mensagens de WhatsApp anexadas aos autos mostraram a relação de proximidade entre as duas. Para o relator do caso, desembargador Sidnei Alves Teixeira, a quebra de confiança foi ainda mais grave por esse motivo.
A defesa da funcionária argumentou que não houve comunicação formal por escrito sobre a justa causa. Mas os magistrados entenderam que, no contexto de um pequeno negócio familiar e diante do impacto emocional, essa formalidade não invalida a demissão.
O pedido da ex-atendente para reverter a dispensa e transformá-la em rescisão indireta — quando o empregado acusa o empregador de falta grave — também foi negado. Para o relator, aceitar a solicitação seria “legitimar uma conduta antiética e desrespeitosa”.
A advogada Paula Borges, especialista em Direito e Processo do Trabalho, explica que a justa causa é a forma mais severa de encerrar um contrato de trabalho e só deve ser usada quando há uma quebra irreversível de confiança entre empregador e empregado.
“No caso julgado, o Judiciário confirmou a demissão por justa causa, reconhecendo que a atitude da funcionária ultrapassou os limites do contrato e prejudicou a imagem e a autoridade da empregadora. A decisão reforça a importância da ética e do respeito nas relações de trabalho”, afirma a especialista.
Como ficam os relacionamentos entre colegas?
O episódio acontece em meio à maior atenção pública a casos de relacionamentos extraconjugais no ambiente de trabalho. Um exemplo recente envolve o CEO da Nestlé, assim como a situação dos executivos da Astronomer, que veio à tona durante um show do Coldplay.
Para o advogado trabalhista Ronaldo Ferreira Tolentino, relações extraconjugais podem ser interpretadas como “incontinência de conduta”, conforme o artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e, em último caso, justificar uma demissão por justa causa.
No entanto, a jurisprudência tende a rejeitar esse tipo de interpretação.
“A empresa pode optar por uma demissão sem justa causa. Como precaução, o código de ética pode estabelecer normas para evitar situações que prejudiquem a imagem institucional”, acrescenta o advogado.
Nesse caso, as regras são definidas por cada empresa. Elas podem servir para proibir que funcionários com relacionamento amoroso trabalhem no mesmo setor ou tenham relações hierárquicas, por exemplo. Pode ser pedido também que o casal evite o contato mais íntimo dentro do ambiente corporativo.
Mas o advogado pondera que regulamentar comportamentos fora do ambiente empresarial pode ser interpretado como invasão de privacidade, ainda que envolva dois funcionários da mesma empresa.
“Regulamentar fora do ambiente empresarial, ainda que seja entre dois funcionários da empresa, é a companhia se metendo na intimidade dos empregados”, afirma.
Para além das relações amorosas, outras situações em que o funcionário expõe a empresa ou fere a imagem da companhia também podem, em alguns casos, levar à demissão por justa causa.
No entanto, Tolentino explica que enquadrar esses casos não é simples. É preciso analisar bem cada situação, pois a empresa deve provar que o ato do funcionário realmente foi grave o suficiente.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não proíbe relacionamentos afetivos entre funcionários da mesma empresa.
A intimidade e a vida privada são direitos assegurados a todos os brasileiros. Por isso, restringir um namoro pode ser considerado um ato abusivo e contrário aos princípios da dignidade humana e da proteção à vida pessoal, garantidos pela Constituição Federal de 1988.
“Proibir que as pessoas se apaixonem é inconstitucional e fere os direitos fundamentais da personalidade. Mas é possível estabelecer regras sobre o comportamento dos funcionários em decorrência do namoro, para não prejudicar a produtividade.” — Cristina Pena, advogada trabalhista.
Fonte: g1