Dois altos líderes da BBC renunciaram no domingo (9) em meio a um escândalo crescente sobre imparcialidade e viés, que mergulhou a emissora pública britânica em uma das maiores crises dos últimos anos.
O executivo mais sênior da BBC, o diretor-geral Tim Davie, e a diretora-executiva da divisão de notícias, Deborah Turness, ambos renunciaram após o vazamento de um memorando profundamente crítico que, entre outras coisas, revelou que a BBC editou de forma enganosa um discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para fazer parecer que ele havia convocado diretamente a violência no dia 6 de janeiro.
Em uma nota enviada aos funcionários no domingo à tarde, Davie disse que sua renúncia foi “totalmente uma decisão minha”. Ele acrescentou que, como diretor-geral, ele assumia a “responsabilidade final” pelos erros cometidos pela BBC.
Turness disse que a controvérsia sobre um programa da série “Panorama”, feito pela BBC sobre Trump, “chegou a um ponto em que está causando danos à BBC – uma instituição que eu amo”.
“A responsabilidade é minha”, acrescentou ela.
As renúncias ocorreram após o jornal The Telegraph publicar detalhes de um dossiê interno vazado da BBC, elaborado por Michael Prescott, que havia sido contratado para aconselhar a emissora sobre padrões editoriais e diretrizes.
No documento, Prescott revelou que, no ano passado, a BBC havia transmitido um discurso “manipulado” de Trump, fazendo parecer que o presidente havia incentivado os manifestantes no Capitólio, dizendo que iria caminhar com eles para “lutar como o diabo”.
Na realidade, Trump disse em seu discurso em Washington DC, no dia 6 de janeiro de 2021, que “Vamos caminhar até o Capitólio e vamos aplaudir nossos corajosos senadores e congressistas e congressistas mulheres.”
Após o relatório ser divulgado, o filho de Trump, Donald Trump Jr., compartilhou-o no X, escrevendo: “Os ‘jornalistas’ FAKE NEWS do Reino Unido são tão desonestos quanto os daqui dos Estados Unidos!!!!”
As alegações levaram a secretária de imprensa de Trump a criticar a BBC como sendo “100% fake news” e uma “máquina de propaganda.”
Os contribuintes britânicos estão sendo “forçados a arcar com os custos de uma máquina de propaganda esquerdista”, disse a funcionária sênior da Casa Branca Karoline Leavitt em uma recente entrevista ao Telegraph.
Trump celebrou a notícia das renúncias e agradeceu ao Telegraph por “expor” a corrupção, o que ele chamou de uma “coisa terrível para a democracia”.
“Essas são pessoas muito desonestas que tentaram manipular o resultado de uma eleição presidencial”, escreveu ele em sua plataforma Truth Social.
No domingo, Leavitt publicou uma breve resposta no X, apresentando a manchete do artigo do Telegraph, seguida pelo artigo da BBC anunciando a renúncia de Davie.
Lisa Nandy, a secretária de Estado britânica para cultura, mídia e esportes, agradeceu a Davie pelo seu trabalho na BBC após o anúncio de sua renúncia.
“Ele liderou a BBC durante um período de mudanças significativas e ajudou a organização a lidar com os desafios que enfrentou nos últimos anos”, disse Nandy em uma postagem no X.
“Agora, mais do que nunca, a necessidade de notícias confiáveis e programação de alta qualidade é essencial para nossa vida democrática e cultural, e para o nosso lugar no mundo”, acrescentou.
A líder conservadora Kemi Badenoch aplaudiu a renúncia, mas afirmou que há um “catálogo de falhas graves que vai muito além” na BBC.
“A nova liderança agora deve implementar uma reforma genuína da cultura da BBC, de cima para baixo — porque não pode esperar que o público continue financiando-a por meio de uma taxa obrigatória de licença, a menos que consiga finalmente demonstrar verdadeira imparcialidade”, escreveu Badenoch no X.
A BBC é amplamente financiada por uma taxa de licença de £174,50 (equivalente a R$ 1.225) paga anualmente por cada residência no Reino Unido que possua uma televisão ou assista aos seus conteúdos de streaming.
Como uma emissora pública, a organização é obrigada a seguir padrões rigorosos em relação à sua independência editorial e imparcialidade.
A carta de missão da BBC descreve sua missão como fornecer “notícias devidamente precisas e imparciais” no interesse público.
A corporação tem sido envolvida em controvérsias repetidamente ao longo dos anos.
O presidente da BBC, Richard Sharp, renunciou em 2023 após um relatório descobrir que ele não havia divulgado sua participação na facilitação de um empréstimo de quase 1 milhão de dólares ao ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson.
A BBC enfrentou um boicote em 2023 depois de suspender Gary Lineker de apresentar o programa de futebol mais importante da emissora, após o ex-jogador de futebol criticar a política de asilo do governo como “imensuravelmente cruel”. Lineker foi posteriormente reintegrado.
Em 2012, a diretora de notícias da BBC, Helen Boaden, e seu vice, Steve Mitchell, foram convidados a “afastar-se temporariamente” enquanto aguardavam o resultado de uma revisão interna relacionada a uma investigação policial sobre abuso sexual cometido pelo ex-apresentador da BBC, Jimmy Savile.
Em 2004, o diretor-geral da BBC, Greg Dyke, renunciou após enfrentar uma pressão intensa devido a uma investigação governamental sobre a morte de um funcionário do Ministério da Defesa, que faleceu após ser revelado como fonte de um relatório da BBC que alegava que o governo havia “exagerado” deliberadamente um dossiê sobre se o Iraque possuía armas de destruição em massa.
